sábado, 17 de setembro de 2011

Da série - Labuta Trabalhosa

Revista Brasileira de Profissões Nº23

Por Cassianta Verdade - 17/09/1988


Qual o nome do senhor?
João Manoel Machado.
Qual a sua profissão Sr. João?
Coveiro de múmia.
Quantas múmias o senhor já enterrou?
Olha, se eu disser que foram duas eu estou mentindo pra senhora. Na verdade foi nenhuma.
O senhor já viu uma múmia?
Dessas que tem na televisão cheio de fracha e que anda retinha com os braço estendido já!
Mas aqui no cemitério nunca?
Das de fracha nunca.
E de outro tipo?
Também não.
O senhor trabalha há quanto tempo como coveiro de múmia?
Desde que eu parei com a fábrica. Vai fazer é uns trinta ano.
E nunca enterrou nada?
Costumo dizer que já cavei buraco pra véia mais véia que múmia... (risos). Mais das de fracha nunca.
Como o senhor foi convidado para trabalhar?
Na fábrica eu mexia com argodão, tecido... Dá um dia e o prefeito me olha trabaiando e pede pra eu ser coveiro.
Assim de repente?
Deve de tê visto um talento natural.
Para coveiro de múmia?
É que eu mexia com argodão.
Desde o início o senhor sabia que era para múmia?
Não... Fora mi falá depois de treis ano, mais ou menos...
E o que fez esse período de tempo?
Treinamento.
Como?
De coveiro.
Mas como o senhor treinou para ser coveiro de múmia?
Com o dom que eu já tinha, foi só aprender a bater o enxadão...
Mas o senhor não acha muito tempo três anos para aprender a usar uma ferramenta?
Tinha que sabe direito, senão suja todas fracha da múmia de terra...
Então o senhor não teve professor?
Nunca.
E como sabe que está fazendo o trabalho da forma correta?
Nenhuma delas nunca recramou... (risos)
Mas o senhor nunca enterrou nenhuma!?
Aqui no cemitério do município nunca.
E em outro lugar?
Também não.
E se um dia acontecer de aparecer uma múmia?
É que a gente que tem treinamento não ficaria surpreso, vai é logo tratando de enterrá...
Qual seria o procedimento?
Pega a múmia com cuidado, de modo a não desenrola as fracha. Joga ela no buraco e tampar com terra.
Parece simples, o senhor não acha?
Muito sabe quem nada faiz...
Sr. João, para encerrarmos nossa conversa, o que o senhor pensa sobre o seu trabalho?
Sabe moça, tem gente que diz que minha profissão não tem valia. Que espera devidamente registrado, e com direito a cesta básica é gasto ocioso do município. Eu já acho que é inveja desse povo que não tem inteligência de notá que se aparece por aqui uma múmia é necessário que se tenha um funcionário responsave... É por isso que o prefeito me deu esse celular. Caso ocorra uma emergência e a múmia passe da hora de ser enterrada...

P.S.: A construção das personagens e suas falas foram fruto de minha imaginação. Sem o menor cuidado com a verossimilhança antropológica de nada.